Promisses

Os californianos The Morning Benders eram uma das mais promissoras bandas de pop delicodoce. Tive o prazer de os ver num Super Rock no Meco, novinhos e de bom ar, a meio de uma tarde quente que antecipava os concertos de Wild Beasts, Sharon Jones e Prince.

Um dia chamaram a imprensa e anunciaram que iam mudar de nome. Tinham se apercebido de que bender era um termo depreciativo usado pelos britânicos para se referirem a um homossexual e, diziam, não tinham intenções de ferir susceptibilidades. Daí mudaram o nome para POP ETC e começaram a fazer um 80's synth pop muito paneleiro.

All I have is my love of love and love is not loving

Foi a primeira vez que me senti realmente apaixonado. Tinha dezoito anos, estava tão assustado que me tremiam as pernas. Estava um excelente Domingo de sol, estendi-me na relva e enquanto esperava pela miúda, coloquei no discman um cd que tinha gravado há poucos dias: The Rise and Fall of Ziggy Stardust and the Spiders from Mars. 

À segunda faixa, a tremideira nas pernas parou. Enquanto ouvia Soul Love, era como se conseguisse perceber tudo o que estaria para chegar, como a minha vida ia mudar para sempre e não tinha mais de fingir que tudo era apenas estilo e pouco sentir. A verdadeira aventura é vivermos aquilo que escolhermos através daquilo que sentimos e tentar gostar de nós mesmo assim. Claro que não percebi o aviso que a canção me dava. A relação foi patética. A miúda nunca mais a vi. Mas nunca mais larguei a fantástica enciclopédia que é aquela discografia. 

Costumo dizer, como elogio definitivo, que Bowie tem sempre uma canção para qualquer momento das nossas vidas. Sei que se um dia sentir algo que ainda não senti hoje, há uma música do Bowie a ajudar-me - um manual de instruções encriptado.

Hoje é como se ouvisse todas essas músicas ao mesmo tempo. 

"Feel the sunshine on your face, it's in a computer now"

Em 2003 ouvia muito esta música. Devia ter escutado melhor. Eu tinha muita vontade de ir ver o mundo mas estava mais preocupado em ir ao pito. Hoje em dia tenho mais vontade de ir ao pito mas aflijo-me mais com o mundo. Só não sei bem qual mundo. Ao contrário de mim, em 2003 Damon Albarn não tinha 18 anos e enquanto cantava sabia que há já muito tempo tínhamos o tempo por perdido. Hoje acordei com esta música como quem acordou com a primeira amante de novo nos braços. Sabe bem fazer conchinha com algumas músicas da nossa adolescência.

O gajo fotografava fantasmas e filmava coisas parvas como berlindes e chá de tília. Ia à taberna sozinho e ficava para ouvir as conversas dos outros. Pensava que pensavam que era homossexual, não sei porquê mas fumava tabaco de senhora, talvez fosse por isso. Uma vez disse que seu pai havia exorcizado uma vaca. Ou era parvo ou mentia.

O gajo morreu. Morte natural. Meteu-se com um tipo que lhe enfiou três tiros na cara.

É natural que tenha morrido.

aaaargh

hoje acordei louco e sinto-o

os olhos arregalados

a boca a salivar

hoje acordei louco e sinto,

tivesse eu a faculdade,

é dia bom para matar

hoje acordei louco e muito

estive a sonhar com presunto

tenho a lingua mastigada

sabe bem a lingua em sangue

do porco que sonhava

comer porco a sonhar

merriweather post pavillion

maria aurélia foste para vigo
num transporte de animais
olhaste apenas para o teu umbigo
deixaste cá irmãos e pais

fizeste bem em fazeres-te à vida
antes que alguém a ti se fizesse
por cá andarias perdida
à espera que alguém te merecesse

se te escrevo, e com estima, em rima
é porque eu agora sou poeta
faço até uns versos, querida prima
para a lona de uma avioneta

maria aurélia a saudade, eu sei agora
é um cheiro que não volta mais
se te pusesse a vista em cima,
prima, devolvia-te aos teus pais

que tenhas ido para mim é merda
que nunca voltes eu estou-me cagar
maria aurélia, porque foste embora
sem um beijo me vires entregar