segunda-feira, maio 17, 2010

Shortbus


Na semana passada, eu estava aborrecido pela nuvem cinzenta que cobria Portugal inteiro - a nuvem de conservadorismo bacoco e de exaltação reverente que se instalou com a visita do papa. A coisa ia incomodando-me em crescendo por dominar completamente os noticiários e se no início não me fez mossa, no fim já nem conseguia ouvir as notícias sem atirar alguns insultos (muitos disparatados) em direcção ao televisor.

A ideia de viver num país que (com o Presidente da República a dar o exemplo) tira uns dias de férias para andar a passear um octogenário ostentador que dirige uma instituição (cuja estima que lhe guardo já foi explicada num post anterior) estava a provocar-me uma grande dor de alma. Estava a precisar de um comprimido e acabei por levar com uma injecção.

Na procura de alguns valores que melhor me representam, lembrei-me de um filme cuja visualização há muito vinha adiando, "Shortbus" de John Cameron Mitchell.

"Shortbus", passa-se numa certa nova-iorque liberal em estado de graça unificador pós 9/11. É um filme sexualmente explícito mas que essencialmente retrata com cuidado as relações humanas. Eu acho que nunca tinha visto um filme tão explícito (exceptuando os pornográficos, claro). Esta orgia visual de carne faz "Ken Park" parecer ser para miúdos. Fica desde já o aviso, este filme não é para todos os estômagos. A questão pode não ser tanto como mostra mas mesmo o que mostra, sendo que não falta panisguice no filme e quando assim é há sempre um "ai Jesus, que é imoral filmar isto", vindo de algum lado.

Mas para quem não tem medo nem de pilas nem de pachachas, este é um belíssimo filme e tem um bom subtexto: o sexo é libertador e não castrador, por isso não deve haver subterfúgios nem fantasmas morais idiotas a assombrar-nos os pensamentos. E, já agora, quem julga outrem pelos seus actos sexuais é um ovo podre.

Há uma porrada de personagens num mosaico bem trabalhado, em que cada um deles se encontra a braços com uma questão sexual qualquer que tem grande importância na sua vida emocional. Emocional, sim. Que isto é só pirocas e pacharrecas de um lado para o outro mas o assunto dramático é claramente as relações humanas. E que bem toma conta do recado Mitchell, fazendo um retrato comovente da maneira como as pessoas interagem com os seus afectos e ainda tem espaço para fazer uma homenagem a toda uma comunidade artística LGBT nova-iorquina.

O filme poderá a alguns ser desconcertante, mas há uma humanidade, sinceridade e um humor provocante que, nota-se, vem do amor com que toda a equipa agarrou este projecto. Dou como exemplo a cena que (infelizmente) nunca me vai sair da cabeça: Cerca de meia-hora depois do filme começar, Mitchell filma explícitamente uma ménage à trois paneleira. 2 gajos a chupar uma pila cada e um terceiro a cantar o hino americano para dentro do cú de um deles. Alguns minutos antes um personagem tinha dito o que me parece ser a síntese da intencionalidade artística do filme "voyeurism is participation".

É assim o Sexo como o amor, insondável, positivo e libertador. O resto? O resto são merdas que temos na cabeça.

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